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Foto do escritorMerci! Grazing Food

Charcutaria, salumeria, salsicharia, enchidos. Com quantas denominações se faz um embutido?

Charcutaria é uma palavra que deriva de sua origem francesa “Charcuterie”, que oriunda de carne(chair) e cozido(cuit) e denominava, no século XV, as lojas de produtos de porco e miúdos de diferentes animais.


A técnica da charcutaria representa um dos mais antigos métodos de produção de alimentos da humanidade, depois da descoberta do fogo. A preservação dos alimentos, em especial das carnes, permitiu que a humanidade sobrevivesse durante períodos de escassez e possibilitou longas viagens, onde nem sempre era possível obter alimentos frescos. Dados históricos relatam que os procedimentos da charcutaria foram desenvolvidos para fins de preservação em um momento em que inexistia refrigeração, relacionando a técnica a evolução da sociedade.


Atualmente não precisamos disso para conservação, mas tornou-se uma estratégia interessante para trazer um gosto especial para as carnes — é por meio dela que se torna possível fazer as famosas carnes defumadas, aplicando uma série de técnicas específicas para tal.


A charcutaria tem uma série de procedimentos que podem ser utilizados para trazer esse sabor incrível aos seus pratos, como, por exemplo, o cozimento, a desidratação, cocção (defumação), marinada, salmoura.


Tais técnicas e procedimentos podem, e em alguns casos devem, ser aplicados sequencialmente. A grande variedade de métodos e técnicas pode aparentar um alto grau de complexidade, mas a charcutaria é uma das artes mais simples e belas da culinária. Uma boa carne, sal e paciência já são suficientes para que a alquimia de sabores e aromas seja contemplada.


Muitas vezes ao pesquisarmos pelo tema “charcutaria” aparecem outros termos como salumeria, salsicharia, embutidos, enchidos… mas, afinal, o que quer dizer cada um deles?


A Salumeria é o nome em italiano que se dá para Charcutaria. Também é a arte de preparar carnes produzindo alimentos defumados, inclusive embutidos. É impossível dissociar a gastronomia italiana dos salumes.  Embutidos estão no centro da mesa de todas as celebrações italianas. De um happy hour casual com amigos, dentro do croissant no café da manhã, servido como aperitivo para o jantar em fatias, juntamente com queijo e pão, ou como parte intrínseca em pratos tradicionais por toda a península.

A salumeria na Itália tem incontáveis produtos e cada região desse país pode ter dezenas de tipos específicos. Os mais conhecidos por nós são o Presunto Parma, os Salames, Mortadela, Bresaola e Copa, por exemplo. Eles são desejados e referência ao redor do planeta. Atualmente, a Itália tem reconhecidas 43 Denominações de Origem Protegida e Indicações Geográficas de Procedência em embutidos, fazendo do país o maior detentor do mercado de embutidos do mundo, segurando um terço do total da produção de embutidos da União Europeia.  O site www.charcuteriebrasile.com traz muitas informações sobre os tipos de salumeria de cada regiãozinha desse país em forma de bota. E o “Comida com História” (www.comidacomhistoria.com.br) nos fornece uma verdadeira aula em um dos seus artigos sobre a história dos embutidos italianos. Vale a leitura!


Eis que no parágrafo anterior aparece mais um termo desse universo: os embutidos. Os alimentos embutidos são produzidos a partir da carne de bovinos, suínos, caprinos, ovinos, equinos, de aves, peixes e frutos do mar, além das vísceras e até sangue dos animais, curados ou não. Esses elementos são triturados, homogeneizados e embutidos sob pressão ou acondicionados em tripas naturais, bexigas, membranas animais ou envoltórios artificiais apropriados, utilizadas para protege-los das influências externas e ao mesmo tempo que lhe dá forma e estabilidade.


Em Portugal, o termo “embutido” é chamado de “enchido”.  Não se pode falar das tradições gastronômicas de Portugal sem destacar o papel dos enchidos na cozinha desse país. Tradicionalmente, quando a maioria das pessoas viviam ainda nas aldeias, os porcos eram criados para serem abatidos uma vez por ano, logo antes do início do inverno. Isso representava uma grande festa para a família, vizinhos e amigos, e ainda é assim em algumas partes do país. Este dia conhecido como “a matança do porco”, incluía um grande banquete de carne de porco fresca ao almoço, e marcava também o início da produção dos enchidos. Antes que a carne pudesse deteriorar, era hora de conservá-la para que durasse todo o inverno, além de desenvolver diferentes sabores. Entre a carne fresca e os enchidos, os suínos eram de fato abatidos, mas as suas vidas eram honradas ao fazer-se bom uso de todo o animal, literalmente, da cabeça ao rabo.

Embora nem todos os enchidos portugueses sejam feitos de carne de porco, a verdade é que a grande maioria deriva da carne suína, tanto que até as tripas do porco são utilizadas como invólucro para os mesmos. Existem apenas três raças de porco autóctones portuguesas: o malhado de Alcobaça, o Bísaro de Trás-os-Montes DOP, e o famoso Alentejano DOP, o porco preto ibérico conhecido pela sua carne suculenta e de pronunciado sabor. São necessárias apenas três variedades de porco para fazer centenas de variações de enchidos, que se baseiam em receitas centenárias, mas que ganham novos sabores com condimentos regionais, técnicas e abordagens de fumeiro. Alguns desses produtos tipicamente portugueses são os Chouriços, Alheira, Farinheira, Morcela e Paio, para citarmos apenas alguns poucos exemplos emblemáticos da Terrinha.


E o termo Salsicharia?! Bem, de acordo com o dicionário da língua portuguesa Michaelis, refere-se à técnica de preparação e conservação de todo tipo de enchido ou a estabelecimentos onde se fabricam ou vendem salsichas e outros embutidos. Aqui na Merci! toda vez que lemos o nome Salsicha, independente da origem do termo, somos remetidos a um lugar: Alemanha.

E assim como nós da Merci!, as salsichas/linguiças provavelmente também devem ser a comida que as pessoas mais associam com a culinária alemã. Não por acaso, pois de fato é bastante consumida e tem inúmeros tipos. Estima-se que na Alemanha existam mais de 1.500 tipos diferentes de salsichas/linguiças. É como o caso das cervejas alemãs, tem aquelas que são conhecidas por toda a Alemanha, mas também cada cidade terá sua criação própria. Em alemão não existe diferença entre salsicha e linguiça, não tem uma palavra específica para salsicha e outra para linguiça, existe somente o termo Wurst (Würste, no plural). Dentre as opções bastante populares na Alemanha e no mundo podemos destacar a Currywurst, Wiener Wurst e a Weißwurst. O site “Simplesmente Berlim” fala um pouco sobre cada uma.


Aqui no Brasil, historicamente em Minas Gerais, os produtos a base de carne de porco foram os mais difundidos. Alguns produtos como a típica linguicinha mineira e o torresmo de rolo defumado viraram paixões nacionais. A comida mineira está intrinsecamente ligada ao porco e suas charcutarias. A força da charcutaria de Minas se mostrou no último concurso de melhores salames artesanais (tipo italiano) promovido pela Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que aconteceu em maio desse ano.  A campeã do concurso foi Mariana Ribeiro Teixeira, da Salames Beira Mato, de Formiga (MG).


Lá no Esprito Santo, uma tradição italiana que, ao vir para o Brasil se adaptou e se tornou um produto único no mundo, chama-se Socol. O Socol é um embutido que pode ser usado como metáfora para a história dos imigrantes que chegaram no ES, se estabeleceram nas montanhas capixabas e se moldaram aos costumes brasileiros. O produto é derivado de outro muito consumido na Itália, o ossocollo. Ambos são feitos de carne de porco, sendo que o de lá usa o pescoço do animal e é rico em gordura, e o daqui é feito do lombo que é uma parte bem mais magra e de maior aceitação. O Socol tem desde o ano de 2018 o selo de identidade geográfica (IG), como indicação de procedência, destacando a tradição e qualidade do produto feito no noroeste do município de Venda Nova do Imigrante. A singularidade do produto feito na região é o fungo encontrado ali, que no caso do Socol é essencial para a maturação da carne.


Já no Sul do Brasil as mulheres imigrantes da Alemanha foram as principais responsáveis pela introdução da salsicharia na nossa cozinha e essas conquistaram os brasileiros. Com a imigração alemã, a indústria alimentícia começou a produção desses embutidos. Hoje, linguiças e salsichas de vários tipos originários da Alemanha podem ser encontrados em qualquer supermercado. Elas são de tipos como frankfurter ou wiener e estão nas mesas de todos.


Os brasileiros, além de grandes produtores são grandes consumidores de produtos oriundos de processos de charcutaria. Na produção de embutidos, dois tipos de confecção são os mais comuns, cada qual com o seu valor. O primeiro tende a ser mais artesanal e agradar um grupo seleto e fiel de clientes. É o caso de pequenos produtores com receitas caseiras, produção familiar e ingredientes de altíssimo nível. Já o segundo se utiliza de maquinários em uma produção mais ampla, pretendendo atingir um grupo maior de pessoas. Apesar das diferenças, cada qual tem o seu charme e ambos têm destaque no mercado brasileiro. 

Nos últimos anos, houve um aumento considerável da dita “charcutaria autoral/ charcutaria contemporânea”.  O Porco Real, frigorífico familiar dos chefs Jefferson e Janaína Rueda, abastece nada mais nada menos que o 12º melhor restaurante do planeta - A Casa do Porco (de acordo com o último The World’s 50 Bests Restaurants), além do Bar da Dona Onça, o Hot Pork e pontos do varejo (como a Casa Santa Luzia) com salsichas e linguiças.

A charcutaria autoral anda tão em alta que a jornalista e historiadora Fernanda Meneguetti propôs em matéria para a revista Elle um roteiro da charcutaria artesanal em São Paulo (link nas fontes).


A charcutaria artesanal teve um boom no período da pandemia de Covid. Hoje, o Brasil conta com charcutarias artesanais em seus quatro cantos onde muitas delas produzem produtos de altíssima qualidade. Apareceram também escolas de charcutaria que formam profissionais que se dedicam a essa arte, os chamados charcuteiros. Com a charcutaria em ascensão no país, os empresários da charcutaria artesanal lutam por uma legislação que contemple melhor seu trabalho mas reconhecem que há evoluções e que entraram no vácuo do sucesso de outros artigos artesanais, como as cervejas e os queijos brasileiros.


Fontes:

















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